A anatomia das famílias brasileiras
Não se trata apenas de saber onde vivem as pessoas, mas de entender por que elas vivem assim, e o que isso provoca nelas.
Foi com essa premissa que a Mapfry iniciou a jornada de construção de uma segmentação territorial verdadeiramente sensível.
Ao invés de agrupar domicílios apenas por classe social, preferências declaradas ou localização física, o objetivo foi descobrir como o território molda o comportamento, o consumo, os desejos e os medos.
A base? Um arsenal de dados públicos e privados, enriquecidos com leituras qualitativas, como se cada bairro fosse um personagem com alma, conflitos e trajetória própria.
A arquitetura dos perfis
A segmentação nasce do cruzamento de atributos quantitativos, como:
- Renda per capita
- Tipo de moradia
- Densidade demográfica
- Escolaridade
- Composição familiar
- Dados de deslocamento casa-trabalho
Com sinais culturais e comportamentais menos evidentes:
- Tipos de uso da internet e do consumo digital
- Expressões de distinção social (como posse de bens e nível de instrução)
- Formas de ocupação do espaço urbano (subnormal, condomínio, casa própria)
- Intensidade dos vínculos comunitários (amizade, religião, vizinhança
Esse mosaico permite perceber não apenas o que está presente em cada território, mas o que falta, e como essa ausência modela os hábitos cotidianos.
A lógica de “dor comum”
Em vez de apenas quantificar, o modelo se orienta por um conceito central: "dor compartilhada".
O que une os moradores de um território não é apenas o CEP, mas as limitações que enfrentam juntos, e as soluções que constroem apesar delas.
Assim, surgem categorias como:
- Sobrevivendo: que inclui domicílios compostos por uma mulher adulta com uma ou duas crianças, sem parceiro formal, em regiões de renda baixa e acesso limitado a infraestrutura pública
- Classe média em ascensão: onde encontramos cenários de composição familiar de dois adultos jovens, morando de aluguel em bairros de transição entre o popular e o médio, com forte desejo aspiracional e investimento em educação.
- Class média alta: adultos em idade produtiva morando em regiões nobres com posse de imóvel próprio, padrão de consumo elevado e alto grau de distinção simbólica (uso de marcas, viagens, escolas privadas).
Cada perfil emerge como resultado de cruzamentos, e não de regras fixas.
Por exemplo: Composição Familiar + Tipo de Moradia + Renda + Instrução + Bairro = Nível de Expectativa ou Restrição.
O território como variável ativa
Um dos grandes diferenciais do método Mapfry está na valorização da geografia simbólica.
Ou seja, não é apenas a cidade ou o bairro que importam, mas como ele funciona internamente como um ecossistema de relações.
Veja os eixos que compõem essa leitura:
- Densidade e verticalização → mais chance de isolamento social ou anonimato
- Proximidade de polos comerciais ou de lazer → maior exposição a consumo e marcas
- Padrão de vizinhança e contágio comportamental → efeito de “normalização” de certos estilos de vida
- Presença ou ausência de segurança percebida → consumo voltado à autoproteção (portões, delivery, carros blindados)
Por isso, a segmentação distingue:
- Um bairro classe média em região mista, onde predominam jovens adultos que vivem sozinhos com pouca vida comunitária, mas alta exposição a experiências de consumo e tecnologia.
- Um bairro popular horizontal, com forte presença de instituições religiosas, redes familiares amplas e comércios locais resilientes, onde a vida social gira em torno da vizinhança, da fé e da sobrevivência colaborativa.
Ambos podem ter algumas características semelhantes, mas são dois mundos diferentes, com consumos distintos, linguagens diferentes e expectativas opostas.
A composição familiar como lente interpretativa
A leitura da estrutura doméstica, quem mora com quem, quantos são, qual a faixa etária e os vínculos, foi decisiva para identificar padrões de consumo e comportamento.
Foram mapeadas dezenas de arranjos familiares reais, do “casal com filho pequeno” ao “adulto com idoso e adolescente”, passando por residências multifamiliares e “jovens com idosos”.
Esses arranjos revelam potenciais de solidariedade, dependência e aspiração, e indicam o tipo de:
- Produto que se consome
- Canal utilizado (compra online ou presencial)
- Comunicação mais eficaz (valores familiares? autonomia? status?)
Dados vivos
O resultado dessa engenharia comportamental são os 421 fragmentos do Brasil real que respiram, sonham e consomem de formas específicas.
Cada um carrega:
- Uma dor central (capacidade de geração de renda, momento de vida, acesso, afeto, reconhecimento)
- Uma rotina previsível (quem cuida de quem, como se locomove, onde compra)
- Um imaginário (o que admira, o que evita, o que sonha em conquistar)