Redação
upon
Jul 9, 2025
O método é o que torna o dado confiável

Nos bastidores da era dos dados, uma batalha se desenha

De um lado, temos os cientistas de dados, engenheiros da estatística moderna.

Eles operam sob um paradigma claro: dado bom é dado abundante, e os modelos certos vão extrair sentido mesmo da bagunça.

Do outro, os estatísticos demógrafos, herdeiros da tradição censitária, formados na escassez.

Gente que consegue passar horas debatendo o conceito de "domicílio".

Para eles, dado confiável não é o que vem pronto, é o que foi bem pensado antes de ser processado.

Ambos usam métodos, mas não o mesmo

Cientistas de dados confiam no padrão emergente, enquanto o demógrafo se detém diante da exceção recorrente.

  • Métodos automatizados extraem regularidades, mas ignoram contextos mal definidos
  • Métodos tradicionais detectam vieses, mas podem ser difíceis de aplicar

Há algo, porém, que o cientista de dados ainda está aprendendo e que o demógrafo experiente já sabe:

Não saberemos tudo, mas podemos saber o suficiente com método certo.


Trata- se de uma disciplina que exige julgamento humano, moldado por heurísticas bem treinadas, fruto da experiência, não da apenas da tecnologia.

Basta uma gota de sangue

O caso de Elizabeth Holmes e a Theranos é um exemplo quase arquetípico de como a sedução da inovação sem método pode levar a um colapso retumbante.

É também uma fábula moderna sobre o que acontece quando se abandona a experiência pela tecnologia pura.

No centro do escândalo Theranos estava uma promessa que parecia tão sedutora quanto inviável: realizar centenas de exames laboratoriais com apenas uma gota de sangue.

A ideia era revolucionária, não apenas pela conveniência, mas por reconfigurar todo o modelo de inferência clínica.

Em vez de seringas, tubos, espera e dor, um pequeno furo no dedo bastaria para revelar todo o seu organismo.

A gota como espelho do corpo inteiro

Mas há uma diferença crucial entre ideia engenhosa e método confiável.

E foi exatamente aí que o castelo de Holmes desabou.

O que ela queria fazer, no fundo, era o que demógrafos fazem todos os dias: inferir o todo a partir de uma parte.


Só que eles aprenderam, com séculos de erro e revisão, que isso exige regras muito rígidas.

E que, ao contrário do que narrativas sugerem, mais gente trabalhando não leva a resultados melhores.

A diferença entre amostra e adivinhação

O problema não era a ideia de usar uma gota de sangue, isso já é feito para exames específicos.

O problema era querer extrair todas as informações de uma única amostra minúscula, ignorando:

  • a variabilidade biológica entre capilares e veias
  • os limites da tecnologia laboratorial
  • os efeitos de diluição
  • os controles de qualidade que validam qualquer inferência

Em outras palavras, Holmes cometeu um erro básico de amostragem: achar que qualquer parte representa o todo.

É como pegar os dados tal qual são liberados pelo IBGE e dizer que se pode fazer Geomarketing.

O Censo é um pesquisa universal, o oposto de amostral, mas suas informações refletem aquele momento.

Usar os dados de 2022 em diante, exige método para definir:

  • O que está sendo incluído
  • O que está ficando de fora
  • Com que peso cada unidade representa as demais

O fascínio da parte pelo todo

O que Holmes tentou fazer foi uma amostragem de alta compressão, capturar muito com quase nada.

Na demografia, isso é feito com cuidado extremo, modelagem matemática, mensuração da incerteza e uma aviso claro que o dado é resultado de tal método.

Por exemplo, podemos usar amostras pequenas quando:

  • Selecionadas com probabilidades conhecidas
  • Acompanhadas de variáveis auxiliares
  • Calibradas para a população total
  • Apresentada com estimativas de erro

Ética na estatística

Holmes foi além do erro técnico, ela cometeu o erro ético da inferência.

Declarou resultados como certos quando não havia nem dados confiáveis, nem métodos válidos, nem replicabilidade.

Ela desprezou o princípio fundamental que move toda a amostragem séria: admitir o que não se sabe.


A demografia não oferece certezas, ela oferece estimativas com margem de erro.

E é justamente essa humildade metodológica que a torna robusta.

A moral da história

Elizabeth Holmes nos lembra que vai ter sempre alguém tentando substituir método por carisma e uma história bem contada.

Acontece que, a parte nunca pode falar pelo todo sem regras claras de seleção.

A confiança em dados depende, antes de tudo, da confiança no processo que os gerou.

Amostragem é isso: uma arte de escolha, ponderação e inferência.


Não basta ter uma gota, nem todo o sangue, é preciso saber o que isso representa.