Redação
em
Nov 8, 2025
Mercadores de mapas

Em 1930, numa época em que as decisões de negócio ainda se baseavam mais em intuição do que em dados, um professor chamado William Applebaum introduziu algo revolucionário: mapas com alfinetes para estudos de expansão. 

Ele usava endereços de clientes para traçar zonas de influência ao redor de supermercados nos Estados Unidos, foi o nascimento do que hoje chamamos de Geomarketing.

A Kroger Co., uma rede americana de supermercados, recorria aos estudos de Applebaum para decidir onde abrir novas unidades. 

O professor, influenciado por teorias como a Central Place Theory de Walter Christaller e a Lei da Gravitação do Varejo de William Reilly, montava verdadeiros “laboratórios urbanos” com mapas em papel, réguas e planilhas manuais. 

Ele cruzava localização dos consumidores, volume de vendas e até zonas de gravidade comercial, isso tudo sem o auxílio de computadores.

Quase um século depois, ficou tudo muito mais fácil, mas porque, apesar das ferramentas mais sofisticadas, o desafio central permanece: onde abrir a próxima loja? 

O rico cada vez mais rico

A chegada das grandes redes internacionais ao Brasil, como o Carrefour, em 1975, trouxe consigo a prática do uso sistemático do geomarketing como base para decisões estratégicas. 

Mas o que era, até então, um know-how de grandes corporações, hoje se disseminou.

O Geomarketing deixou de ser um luxo de multinacional para se tornar uma ferramenta decisiva para redes regionais, e até locais

É a democratização parcial da inteligência geográfica.

Hoje, supermercados pequenos ou médios já utilizam dados para definir localizações com base em:

  1. Potencial de consumo do entorno
  2. Fluxo de pessoas
  3. Perfil sociodemográfico
  4. Performance de lojas vizinhas

Para quem sabe explorar esse recurso, as análises vão muito além da expansão e passando a guiar decisões operacionais: sortimento, precificação, promoções e até layout de loja.

Missões de compra: o mapa mental do consumidor

Para entender como tudo isso se conecta, é preciso pensar em motivações, ou, como define o mercado, missões de compra.

Elas explicam por que alguém sai de casa para ir ao mercado.

E é aí que a integração entre dados de mobilidade, perfil socioeconômico e comportamento de compra vira ouro.

Pense assim:

  • Missão de abastecimento: grandes compras mensais ou quinzenais. Rende deslocamentos longos, atinge famílias maiores, demanda fácil acesso e comunicação de massa.

  • Missão de reposição: compras semanais de perecíveis. O fator chave é conveniência. A comunicação deve ser local, quase de vizinho para vizinho.

  • Missão de emergência: aquela corrida para buscar o que faltou. Aqui, basta estar no caminho. A loja mais próxima vence.

Cada missão tem seu próprio raio de influência, e isso muda tudo, desde o potencial de vendas até o tipo de campanha publicitária ideal.

O erro clássico: seguir a concorrência

Mesmo com tantas possibilidades, ainda há erros recorrentes.

O mais comum é avaliar oportunidades com base apenas na concorrência.

O fato de um concorrente estar indo bem em uma região não garante que há espaço para mais uma loja”, alertam os analistas da Mapfry.

Outros equívocos frequentes incluem:

  1. Usar limites administrativos (como bairros ou municípios) em vez de áreas reais de influência

  2. Ignorar hábitos de consumo locais, confiando apenas em densidade populacional ou renda média

  3. Desconsiderar o impacto de canais de deslocamento e barreiras geográficas

A solução passa por modelos que consideram tempo real de deslocamento, criando indicadores comparáveis entre diferentes unidades — algo que exige um trabalho consultivo e ferramentas especializadas.

Da distribuição de panfletos ao marketing de precisão

A mesma lógica se aplica à comunicação, o que antes era feito com panfletagem ampla, agora é guiado por dados refinados.

Campanhas digitais já cruzam:

  1. a área de influência real da loja

  2. o perfil dos consumidores

  3. o histórico de comportamento em plataformas online

O que nasce daí é o que se chama hoje de “drive-to-store”: o consumidor vê um anúncio no celular e, poucos minutos depois, está dentro da loja.

Não se trata mais de volume de cliques, mas de pessoas andando com os próprios pés até um ponto de venda físico.

O futuro já está aqui, mas ainda não é bem distribuído

Apesar da promessa da inteligência artificial, o maior gargalo hoje é a base de dados.

Muitas redes ainda não estruturam informações básicas sobre seus próprios clientes, o que limita as simulações e automatizações mais avançadas.

Em teoria, seria possível:

  1. Prever o impacto de abrir (ou fechar) uma unidade

  2. Calcular risco de canibalização entre lojas

  3. Personalizar promoções por perfil geográfico

  4. Integrar geomarketing a sistemas de CRM e fidelização


Mas, como vale lembrar, antes de mirar o futuro, é preciso extrair tudo o que o presente já oferece.

Ainda há muito a ser feito

A genialidade de Applebaum não estava no mapa de papel, estava no que ele via quando olhava para ele: um padrão escondido na geografia do consumo.

Hoje, esse padrão continua lá, mais complexo, dinâmico e pulverizado.

Ainda assim, entender onde as pessoas estão, como se movem e por que compram, continua sendo o segredo por trás do sucesso no varejo.

O Geomarketing, no fim, é menos sobre mapas e mais sobre decifrar o comportamento humano a partir do território.